25 de out. de 2013

Estabilidade de núcleos atômicos tem nova interpretação

Novo “número mágico” ajuda a compreender interações entre partículas


(Scientific American Brasil) “Números mágicos” de prótons e nêutrons podem deixar um núcleo atômico excepcionalmente estável. Mais um acaba de ser adicionado ao conjunto existente que ajuda a esboçar uma imagem mais completa do intrincado funcionamento interno de átomos.

Ao colidirem feixes de núcleos a altas velocidades, pesquisadores descobriram que quando um átomo de cálcio tem 34 nêutrons em seu núcleo, tudo permanece bem tranquilo, pelo menos por alguns milissegundos. A descoberta derruba algumas das noções prévias sobre números mágicos e abre toda uma nova linha de pesquisa para a física nuclear.

No interior dos núcleos, prótons e nêutrons enchem compartimentos separados, chamados camadas (ou conchas), sendo que cada camada é caracterizada por um nível de energia diferente, que só pode acomodar um determinado número de partículas.

Um núcleo contém um número mágico de prótons ou nêutrons quando as partículas preenchem completamente sua ccamada sem deixar qualquer espaço para adição, tornando-o estável e de vida mais longa que outros núcleos.

Os números mágicos, porém, não se comportam exatamente como se espera quando há um número excessivo de nêutrons em relação ao de prótons. (As versões mais estáveis de elementos, chamadas isótopos, têm aproximadamente o mesmo número de prótons e nêutrons).

Nesse domínio de isótopos radioativos, números mágicos não são o que parecem: 20, por exemplo, é tido como um número mágico padrão para nêutrons, mas o isótopo 32Mg (magnésio 32), com 12 prótons e 20 nêutrons, é instável sem nenhuma das propriedades esperadas dos núcleos mágicos. O mesmo ocorre com o 28O (oxigênio 28) que, com oito prótons e 20 nêutrons, deveria ser fortemente ligado, o que não se confirma em análise mais profunda. “Há alguns anos ninguém acreditaria nisso.”, afirma o físico nuclear Robert Janssens do Laboratório Nacional Argonne, em Illinois. “Entender o fenômeno faz parte do nosso desafio no momento”.

Havia muita incerteza sobre a estabilidade do 54Ca (cálcio 54), que tem 20 prótons e 34 nêutrons. Com tamanho excesso de nêutrons, esse isótopo não é encontrado regularmente na natureza. Por essa razão, ele foi criado na Radioactive Isotope Beam Factory (Fábrica de Raios de Isótopos Radioativos) operada em conjunto pelo Centro RIKEN Nishina e o Centro para Estudo Nuclear da Universidade de Tóquio, no Japão.

Os pesquisadores projetaram um raio de alta intensidade de núcleos 55 Sc (escândio 55)que têm 21 prótons) em direção a um alvo de berílio, que ejetou um próton dos núcleos de escândio para criar 54Ca (cálcio 54). “O único lugar onde isso realmente pode ser feito no momento é nessa máquina no Japão, capaz de produzir os mais intensos raios de partículas primárias do mundo”, observa Janssens, que não esteve envolvido na pesquisa, mas a qualificou como um “grande desenvolvimento”.

Para determinar se 54 Ca (cálcio 54) merece o status de núcleo mágico (ou seja, se ele tem um número mágico de prótons e nêutrons), os cientistas precisaram investigar a fundo.

No caso de isótopos pesados de nêutrons ter camadas repletas não é suficiente para número mágico. É a diferença energética entre uma camada e outra, seu chamado “gap” de energia, ou lacuna de energia, que determina se uma camada repleta confere estabilidade. Uma lacuna de maior energia aumenta a dificuldade para excitar o núcleo e projetar um nêutron para a próxima camada disponível, o que incentiva a permanência da partícula como está, ou seja, estável.

Alguns grupos previram que para nêutrons em um átomo de cálcio, 34 atingiria o status de número mágico, mas modelos de outros pesquisadores previram o contrário. “Realmente não tínhamos certeza se haveria esse número mágico ou não”, admite o líder da pesquisa David Steppenbeck da Universidade de Tóquio.

A equipe bombardeou 54Ca para levar partículas à próxima camada (o que é chamado estado excitado) e depois deixou que decaísse de volta à sua camada de energia mais baixa, emitindo um raio gama no processo. ´

A energia desses raios gama revelou o tamanho do gap de energia que separava os dois estados. “No caso do 54Ca, o primeiro estado excitado encontra-se a um nível de energia bastante elevado”, explica Steppenbeck. Isso significa que 34 de fato é um número mágico; um fato que a equipe relatou na edição de 10 de outubro da revista Nature. (A Scientific American faz parte do Nature Publishing Group).

Considerando que isso significa o 54Ca é ligeiramente mais estável que isótopos com um nêutron a mais ou a menos, o núcleo ainda é radioativo e tende a decair em questão de milissegundos. No entanto, esse é um tempo relativamente longo no interior do centro de uma estrela, onde reações nucleares ocorrem em escalas de tempo muito mais curtas. Sua sobrevivência mais longa que a de outros isótopos significa que 54Ca poderia ter tido um papel descomunal nas reações que geram elementos pesados no Universo.

A descoberta permite que cientistas examinem como as interações entre prótons e nêutrons afetam as lacunas de energia entre camadas e deixam os núcleos mais ou menos estáveis. “Desde o início dos estudos no campo da física da estrutura nuclear ficamos limitados pelo fato de poder fazer estudos detalhados apenas dos cerca de 350 isótopos estáveis; aqueles que pudemos detectar”, comenta Paul Cottle, um físico nuclear na The Florida State Univestity. “Foi só a partir da década de 90 que fomos capazes de olhar atentamente para alguns dos milhares de isótopos radioativos de curta duração. A grande contribuição desse experimento é ajudar na compreensão detalhada de como prótons e nêutrons interagem entre si em núcleos”.

Futuramente, cientistas esperam mapear os limites de estabilidade e determinar quais núcleos podem ou não existir. “Cientificamente isso é extremamente interessante”, diz Eric Scerri, químico e filósofo da University of Californiaem Los Angeles.“Os números mágicos nucleares parecem estar cedendo; o dogma começa a desmoronar e as regras do jogo precisam ser expandidas. Quando você força o conhecimento para um domínio mais extremo, brota uma nova ciência”.

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