11 de ago. de 2014

Ronaldo Mourão: lembranças com o mestre - VII


Como a maioria dos colegas meu primeiro contato com o prof. Mourão foi através de seus livros em minha infância e adolescência. Isso alimentou minha decisão de ser astrônomo até entrar no curso de astronomia da UFRJ em 1982.

Era dureza para mim estudar somente, sem trabalhar. Foi com muita dificuldade que meus pais me sustentaram nos primeiros anos de universidade.

Claro que morar na Ilha do Governador (ao lado da UFRJ) ajudou muito mas ao chegar a 1986, durante a passagem do Halley, eu me encontrava numa encruzilhada profissional com a matricula trancada prestando concurso para o ITA (não passei). Foi aí q eu travei contato com o prof. Mourão de forma pessoal. Comecei a estagiar no Museu de Astronomia (MAST) recém criado pelo Mourão. O MAST fica no campus do Observatório Nacional no bairro de São Cristóvão no Rio de Janeiro. Reabri minha matricula e comecei a trabalhar imediatamente com divulgação cientifica. Costumo dizer que Ronaldo Mourão foi meu primeiro "chefe". Apesar dele ser o diretor da instituição estava disposto a receber, conversar e orientar até um simples estagiário como eu. Ele tinha as portas abertas e a mente aberta: conversa informal demostrando sempre consideração sem discriminação.

Durante os dias em que o cometa Halley passou nenhuma noite eu dormi. Era cometa e público a noite e dormir no ônibus e na aula durante o dia. Lembro de uma noite/madrugada de observação do cometa Halley que simplesmente perdemos o cometa de vista. O Halley passava rapidamente (dava pra notar o seu movimento em relação as estrelas nitidamente). O céu de São Cristóvão é péssimo: umidade, poluição luminosa de todo lado e fuligem da área industrial portuária. Usávamos a centenária luneta alemão Heide Zeiss/Jena que chamávamos de 21 (por conta da abertura de 21 cm). O sistema de acompanhamento era de engrenagens e peso (como certos relógios antigos). Uma fila enorme e nada de acharmos o cometa. Mourão foi acordado (ele morava no campus do Observatório Nacional) e foi lá ele mesmo caçar o cometa pois nós inexperientes estagiários estávamos apanhando do instrumento recém apresentado para nós. Ele fez isso sem contrariedade, sem estrelismo com uma paciência que só um professor tem. Sempre o chamei de professor Mourão, não que ignorasse seus títulos de doutor mas por me considerar sempre seu aluno, aprendendo Astronomia e muito mais.

Quando fui efetivado no MAST a amizade com ele já estava em franco desenvolvimento. Continuei seu amigo mesmo depois que ele não era mais diretor e eu já estar na Embratel e depois no Planetário do Rio. Apesar de nos encontrarmos esparsamente (geralmente em Enasts ou no Carj) ele sempre tratou com tanta atenção que eu me sentia lisonjeado. Sempre que o encontrei ele se dirigia a mim como um colega e amigo, como um igual (q honra, eu bem sei q nunca cheguei o nível do meu mentor). Ele participou de alguns Enasts. Me lembro de alguns: o sétimo (Brotas),o oitavo (Curitiba) e o décimo (Rio). Ele me estimulou muito em relação ao propósito de manter os Enasts ativos. Tive duas oportunidades inestimáveis de entregar a ele homenagens em dois Enasts: o prêmio Rubens de Azevedo no 11o Enast de Maceió (2009) e uma placa comemorativa assinada por várias instituições astronômicas cariocas no 10o Enast (2010).

Fico feliz de ter tido a oportunidade de homenageá-lo em vida. A notícia de sua morte me pegou em um pique pesado de trabalho e stress que não me permitiu ir nem ao enterro, nem a missa. Alguns de seus familiares conheci pessoalmente e não tive a oportunidade de prestar meus pêsames e compartilhar de forma simples a saudade que o professor deixou. Uma pena.

Naelton Araújo
Rio de Janeiro/RJ

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